Quimbanda em Porto Alegre
Rama dos 4 Caminhos
É importante observar que a Rama dos 4 Caminhos tem como pilar fundamental o culto aos ancestrais e antepassados e hoje seus ancestrais tutelares estão assentados em Porto Alegre, dentro da tradição da Quimbanda tradicional gaúcha. Para compreender essa tradição, é necessário aprofundar-se na genealogia das religiões afro-ameríndias do Rio Grande do Sul, onde é possível identificar as diversas influências que a Quimbanda tradicional entrelaçou em sua estrutura religiosa.
O surgimento e os reinos fundacionais da Quimbanda da Rama dos 4 Caminhos
A Rama dos 4 Caminhos surgiu durante o processo de pesquisa e mapeamento da minha árvore genealógica, quando diversos antepassados iniciaram um processo de aproximação por meio de sonhos, visagens e fortes intuições. Atualmente, o núcleo fundador da Rama encontra-se em Porto Alegre, onde, junto à minha família, tem início a formação do primeiro núcleo de culto aos ancestrais dentro de uma perspectiva hermenêutica, fundamentando e ampliando a percepção das relações ancestrais.
Força ancestral
Os tutelares e a comunidade ancestrais da Rama dos 4 Caminhos
A Rama dos 4 Caminhos tem como tutelar a Senhora Maria Mulambo Anciã, que traz, em seus fundamentos, uma forte relação com as tradições de culto aos voduns. Ela se apresentou no momento em que assumi, como pilar da minha pesquisa, a importância de resgatar os ramos matriarcais da minha árvore genealógica. Nesse processo de ressignificação da imagem das mulheres da minha linhagem — do reconhecimento e da valorização da grande importância delas — é que Maria Mulambo Anciã se manifesta, trazendo saberes ancestrais, força de superação, acolhimento materno e, acima de tudo, a vitória sobre os percalços da vida.
Outro tutelar da nossa Rama é o Senhor Zé Pelintra, que se manifesta em duas forças de atuação: como mestre da boemia e como encantado marinheiro. Seu Zé Pelintra é o senhor das possibilidades dentro da Rama dos 4 Caminhos. É ele quem conecta as forças encantadas da Rama quando se apresenta na forma de marinheiro. Nessa atuação, traz a força da resiliência e do diálogo entre fronteiras, possibilitando também que espíritos que necessitam de liturgias diferenciadas consigam se aproximar da Rama.
A Senhora Maria Mulambo Anciã e o Senhor Zé Pelintra, juntos, solidificam os Povos da Rua dentro da Rama dos 4 Caminhos, fundamentando o direcionamento daqueles que se encontram perdidos nos caminhos da espiritualidade. Quando voltados para as forças encantadas, trazem a energia e os saberes das matas, com toda a sua estrutura de feitiçarias, ervas, ocultamentos, remédios espirituais, bem como o diálogo com povos ancestrais de grande força primordial.
Completando a tríade de força, há o Senhor Caveira, que se manifesta como um Caveira encantado, jovem, com pequenos chifres e capa preta. A força de Exu Caveira sempre esteve presente em minha vida e, durante minha passagem pela Umbanda e pela Linha da Esquerda, foi um espírito que me protegeu e guiou em diversos momentos. Seu Caveira, como encantado, traz uma grande força de transformação. As matas se mantêm em um ciclo constante de vida e morte. O processo de morte na mata não é visto como um fim, mas como nutrição da vida, como alimento. É nessa dinâmica que a força do Seu Caveira se manifesta, trazendo a transformação encantada da renovação pelos fins de ciclos.
As matas, as ruas e o cemitério
Na Rama dos 4 Caminhos, o reino das matas se destaca como a principal fonte de força ancestral. É nas matas que fundamentamos todo o processo de assentamentos e iniciações da nossa rama.
Na mata, encontramos sistemas complexos de movimentação de energias e entrelaçamentos de forças, ecossistemas completos em plena harmonia, o que nos permite alcançar curas para diversas causas, sejam elas brandas ou agressivas. Percebemos isso nos diferentes usos de garrafadas, banhos de ervas, emplastros, tinturas e até mesmo alimentos com fins medicinais. Além de todo esse arsenal, recorremos às matas para buscar refúgio, recompor o equilíbrio psicoemocional e, assim, alcançar uma “paz de espírito”. Todos os grandes deuses possuem suas gêneses entrelaçadas à natureza: nas matas, no mar, nas montanhas, nas profundezas da terra, no interior de vulcões etc. Em florestas imensas, como a Amazônica — que se estende por fronteiras de diversos países, entre eles Brasil, Peru, Venezuela, Colômbia, Bolívia, Equador, Guiana, Suriname e Guiana Francesa — encontramos vulcões, montanhas, rios e lagos que chegam até mesmo a se conectar ao oceano Atlântico, por meio do Rio Amazonas. De certa forma, a mata conecta todos os reinos naturais, o que confere às divindades e aos espíritos da natureza uma imensa fonte de forças e territórios de ação. Além disso, a mata, por si só, é um ser vivo, uma divindade, e por isso sempre merece reverência e louvação, seja por meio de gestos de respeito, cânticos ou oferendas.
Aqui, na Rama, recorremos a muitos elementos das matas em nossos trabalhos, o que proporciona aos membros e convidados uma oportunidade de cura ancestral, capaz de abrir caminhos de acesso às ancestralidades que compõem sua árvore genealógica.
Na força de nossos tutelares, a Senhora Maria Mulambo Anciã e o Senhor Zé Pelintra, temos acesso às forças dos caminhos, das ruas, das encruzilhadas da vida. Por meio do reino das ruas — conhecido em algumas tradições de quimbanda como Lira — acessamos uma dimensão de trocas, de fluxos e influxos, de mediação entre fronteiras, culturas, costumes e povos, pois nas ruas transitam todos e tudo, independentemente da origem. Nesse contexto, nossa tutelar, a Senhora Maria Mulambo Anciã, guia aqueles que se encontram perdidos espiritualmente: abandonados, esquecidos, marginalizados que se dispersam pelas ruas da vida. Já o Senhor Zé Pelintra, com toda sua sagacidade, dinamismo e resiliência, protege e guia aqueles que dependem das ruas para viver. Sua força é fluxo, é movimento dentro do movimento, com a capacidade até mesmo de criar vórtices de energia que abrem portas para novas realidades.
E há também o cemitério, sob as forças do Senhor Exu Caveira Encantado, que atua nas fronteiras da transformação entre os ciclos de vida e morte. Ele é uma ponte entre o visível e o invisível, entre a vida e a morte, guardião dos saberes ancestrais — afinal, a cabeça, o crânio, é morada do saber, não é mesmo? Sua força auxilia ciclos desarmônicos a chegarem ao fim, abrindo possibilidades para que o novo se manifeste. Como já dito, a mata é um ecossistema completo e complexo, e a morte é fundamento da mata, pois sem a morte a vida não se desenvolve: seja a onça caçando o javali, seja a folha que aduba a terra, seja o corpo em putrefação que sustenta colônias de bactérias, animais e insetos necrófagos. A morte também é vida!
Nas matas não existem almas perdidas: nelas, todo espírito tem uma função atribuída. A natureza não permite a desarmonia, e o Senhor Caveira é um dos guardiões que mantém o ritmo natural no pós-morte.
Culto a ancestrais e antepassados em Porto Alegre
Rituais de Quimbanda na Rama dos 4 Caminhos
Na Rama dos 4 Caminhos, todos os rituais, no momento, são fechados. Possuímos ritos abertos ao público, mas, ainda assim, é necessária uma permissão para a participação, pois há um preparo ritual para receber qualquer pessoa na Rama, seja um novo batizado, iniciado ou convidado.
Podemos recorrer ao oráculo para identificar a linha de trabalho a ser desenvolvida em cada rito, o que nos orienta desde a coleta de ervas até a confecção dos elementos que serão utilizados. Por isso, há a necessidade de que os rituais sejam mais restritos, pois envolvem aspectos da ancestralidade daqueles que irão participar — o que, além de carregar fundamentações, também diz respeito à intimidade dos participantes. Além disso, esse formato favorece a conexão ancestral, pois facilita a imersão do participante na atmosfera e nas energias atuantes nos rituais.
Também podemos receber dos ancestrais titulares da Rama orientações mais diretas, possibilitando uma assertividade ainda maior nos rituais. No entanto, isso não significa que os ancestrais tutelares atuem sempre na dinâmica ritual. É de decisão e necessidade deles se manifestarem ou não, já que muitos rituais da Rama são realizados em dinâmicas coletivas — como a maceração de ervas, por exemplo — ou até mesmo na confecção de garrafadas, que pode demandar muito mais a ação humana do que a dos ancestrais em terra.
Você pode entrar em contato com a Rama dos 4 Caminhos por meio dos perfis sociais ou pelo e-mail ramados4caminhos@gmail.com, e responderemos com maiores informações.
Que os ventos tragam as sementes do amanhã para todos.
Aqui, as sementes falam.
Thiago Blauth Ferreira, filho de Ruth Blauth Ferreira e Carlos Fernando Ferreira. Líder em terra na Rama dos 4 Caminhos.
