Figueira | A árvore mais sagrada da Quimbanda Gaúcha

Quimbanda em Porto Alegre - Culto a ancestrais em Porto Alegre

Quem pesquisa profundamente as tradições da Quimbanda gaúcha chega à mesma conclusão: a figueira pode ser considerada a principal representação do axis mundi dessa tradição. Isso tem enorme importância e pode contribuir para a construção de uma cosmologia mais completa da Quimbanda Gaúcha, algo que sabemos ser muito difícil de mapear.

A figueira, torna-se uma morada divina, onde habitam divindades como orixás, voduns, eguns e até mesmo linhas de Exus e Pombagiras, como a Pombagira Figueira e o Exu Figueira. Também encontramos diversas associações com Exu Caveira. No Batuque, é dito que sua copa é a morada de Oyá Timboá e Oyá Dirã, divindades consideradas da “rua” e senhoras dos eguns em suas respectivas nações.

As figueiras são fundamento na Rama dos 4 Caminhos

A Rama dos 4 Caminhos tem como pilar central o levante do feminino dentro das tradições de culto aos ancestrais, algo que, de forma geral, sempre esteve subjugado a um sistema de maior evidência patriarcal. Referimo-nos a aspectos históricos que colocaram as mulheres entrelaçadas ao mal, pervertendo todo o seu poder de transformação e sabedoria divina. O materno, o sedutor, o transformador, o gerador da vida, o nutridor da vida: o feminino é a potência da vida, e reconhecemos que, na terra, é a força ancestral de maior importância. As raízes ancestrais crescem pelo poder gerador da mulher e, nesse aspecto, as figueiras guardam estruturas simbólicas que transformam, gestam e dão vida a diversas formas de poder e sabedoria dentro da nossa rama.

Raízes que mantém feitiços e espíritos vivos

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Muitos sacerdotes de Quimbanda, Umbanda e tradições do Batuque dizem que, em muitas figueiras do território gaúcho, estão enterrados sob suas raízes feitiços, objetos sagrados e pertences de negros feiticeiros, com destaque para feitiços de Pretos-Velhos, havendo até mesmo relatos de Pretos-Velhos que realizavam feitiços negativos (Jaékel Da Rosa, Estefânia, 2019).

Muitos afirmam que a figueira é morada de Exus e Eguns, que acabam permanecendo próximos do mundo material por meio dela. Alguns chegam a dizer que a figueira, de certa forma, poderia ser entendida como um balé natural, já que em muitas figueiras encontramos estruturas ocas com buracos no chão em seu interior. Ela também é considerada morada de Ogum Avagã, pois esses buracos são habitat de cobras, animal representativo dessa divindade.

Podemos compreender que divindades com domínio sobre as ruas e com atribuições de controle e poder sobre os Eguns encontram na figueira um ponto de força manifesto na natureza. Assim, podemos tirar algumas conclusões: a figueira pode ser entendida como um axis mundi entre os vivos e a ancestralidade, entre o visível e o invisível, um espaço liminar onde espíritos de poder, como Exu e Pombagira, podem realizar o trânsito entre desejo, ação e realização. Também podemos entender que a figueira é uma estrutura de acesso a forças femininas primordiais, o que merece atenção, já que ali podem estar em gestação estruturas de poder. E sabemos que toda mãe é um ser feroz na proteção de seus filhos.

O Axis mundi de muitas tradições

O povo indigena Nambiquara, do oeste do Mato Grosso e Rondônia, fala sobre a figueira Haluhalunekisu que existe na abóbada celestial. Essa figueira pertence a mulher-espírito e na sua copa mora Dauasununsu, ser sobrenatural conhecedor de todas as coisas. É interessante que para os Nambiquara a figueira celestial sustenta o céu e que suas raízes envolve o mundo de todos os homens. Os wanintesu que são os pajés sobem por suas raízes até Dauasununsu para renovar seus poderes espirituais.

No mundo vamos encontrar diversas outras tradições que tem na figueira uma ligação com o divino. Vamos ver no budismo que Sidarta Gautama atingiu a iluminação sob a sombra de uma figueira, assim como outros budas. No hinduísmo, a figueira-de-bengala é vista como um símbolo do Trimurti, formado por Senhor Brahma (o Criador), Senhor Vishnu (o Preservador) e Senhor Shiva (o Destruidor). Segundo a tradição, cada aspecto divino habita uma parte específica da árvore: Brahma está associado às raízes, Vishnu à casca e Shiva às raízes aéreas. Assim, a figueira-de-bengala se torna uma representação viva da presença e equilíbrio dessas três forças cósmicas.

Uma fresta de fundamento sagrado

Aqui vou deixar uma pontinha de dica, uma fresta de um dos fundamentos da Rama dos 4 Caminhos, como uma fagulha de ímã para estimular a busca por um saber oculto. Na figueira, tudo ganha vida, mas nem tudo gera vida!

Aqui, as sementes falam.
Que os ventos tragam as sementes do amanhã para todos.

Thiago Blauth Ferreira, filho de Ruth Blauth Ferreira e Carlos Fernando Ferreira. Líder em terra na Rama dos 4 Caminhos.

Reino das Matas na Quimbanda - Culto a ancestrais em Porto Alegre, Rio Grande do Sul
Participe, é totalmente gratuito

Núcleo de estudo e pesquisa ancestral

O Núcleo de Estudo e Pesquisa Ancestral é um espaço dedicado à escuta profunda, ao estudo crítico e à vivência espiritual das tradições de matriz afro-indígena por meio do reconhecimento e da valorização dos saberes ancestrais. Nosso ponto de partida é a consciência de que somos frutos de muitas camadas de tempo, história, memória e espiritualidade. Estudar o passado não é um exercício apenas intelectual, mas um mergulho vital nas forças que nos sustentam no presente.

Nosso núcleo se dedica a explorar, por meio de leituras, práticas e partilhas coletivas, temas como genealogia ancestral, culto aos antepassados e ancestrais, mitologias de matriz africana e indígena, cosmogonias e cosmologias tradicionais, bem como teologias vivas e psicologias da religião a partir do olhar das próprias tradições. Valorizamos especialmente o saber que nasce da oralidade, da experiência, da ritualística e da memória encarnada nos corpos, casas, terreiros e territórios.

As raízes ancestrais estão profundamente entrelaçadas às memórias da alma. Nutrir a memória é cultuar os ancestrais.