Árvore genealógica como pilar iniciático na Quimbanda Gaúcha da Rama dos Quatro Caminhos

Quimbanda Gaúcha, Quimbanda em Porto Alegre. Culto a ancestrais e antepassados.

O resgate histórico dos ramos da minha família constitui as bases fundantes da Rama dos Quatro Caminhos como tradição — algo que se entrelaçou diretamente ao meu processo iniciático na Quimbanda Gaúcha.

Meus ancestrais tutelares, a Senhora Maria Mulambo Anciã e o Senhor Zé Pelintra, assim como o Senhor Caveira (encantado) e o Senhor João Caveira, só se manifestam dentro de uma quebra das fronteiras colonizadoras que apagaram a identidade e a história de muitos dos meus antepassados.

Como todo mestiço brasileiro, sou fruto de mundos e dimensões de realidades antagônicas, pois, em um mesmo espaço, conviviam forças opostas — senhores de fazenda escravocratas e negros e indígenas escravizados. O choque de retorno às raízes antepassadas desfaz a ilusão romântica de um passado sem culpa. E é com essa visão de mundo em processo de correção que, da escuridão da alma, passam a emergir forças adormecidas, que se tornam vias de reconexão com uma ancestralidade viva, carregada na memória que pulsa em nossas veias.

Essa nova visão de mundo, agora desmistificada, amplia o nosso alcance espiritual — não como uma habilidade ou capacidade adquirida como prêmio por um grau iniciático conquistado, mas pela reintegração a uma comunidade ancestral, na qual deixamos de ser um e nos tornamos muitos: uma família que ultrapassa o tempo e conecta memória, natureza, vida e morte, visível e invisível, sagrado e profano, dia e noite, positivo e negativo.

É por meio desses ancestrais que as fronteiras da existência deixam de ser físicas e passam a ser espirituais, onde reinados são construídos com as pedras da memória, estradas são abertas pelas raízes ancestrais, e a vida se torna o ponto de convergência presente entre o passado e o futuro.

Nossos ancestrais são os agentes mágicos, sábios e líderes nessa retomada ancestral e, como ancestrais, pertencem a este território — o que nos permite resgatar identidade e pertencimento.

Por isso, na Rama dos Quatro Caminhos, é pilar do processo iniciático que o neófito mergulhe em uma jornada de resgate da própria ancestralidade, em que o mapeamento histórico e genealógico serve como bússola e guia do caminho.

A quimbanda como resgate de pertencimento

Quando falamos de Quimbanda, Umbanda, Batuque, Candomblés e demais religiões e tradições afro-indígenas, estamos nos inserindo em um território de ancestralidades, onde costumes, comportamentos, realidades sociais e religiosidades estavam intensamente entrelaçados à natureza — ou eram vivenciados em contextos de extrema pobreza e marginalização.

Não é possível imaginar uma ancestral Pombagira que traga, em seu bojo de sabedoria, a imagem de uma mulher branca europeia, moldada pelo padrão de estética branca. Se os detentores dos saberes de feitiçaria eram negros e indígenas, a estética, os costumes e as realidades eram outros.

Roupas simples, por vezes em trapos, eram os únicos tecidos disponíveis para cobrir o corpo. Por isso, imaginar que uma Pombagira — um espírito ancestral — exija vestes de alto valor, distantes da realidade que viveu e da realidade do iniciado, não encontra ressonância na ancestralidade afro-indígena.

É importante lembrar o aspecto do custo: certas dores são privilégios. É melhor chorar de tristeza com a barriga cheia do que chorar de fome.

A Quimbanda é pé no chão, mão nas raízes, é o suor sofrido sob o sol causticante daqueles que abriram caminhos de realização.

A Quimbanda é entrega — onde o medo grita e o sangue cala.

Não há território mais visceral do que o chão onde Exu e Pombagira se manifestam.

Por isso, esse é um espaço em que o iniciado é reintegrado a sua ancestralidade, um território que perturba as sombras da alma, mas também traz à luz da consciência a presença do sagrado.

O entrelaçamento da Quimbanda Gaúcha com a Rama dos 4 Caminhos

Quimbanda Gaúcha, Quimbanda em Porto Alegre. Culto a ancestrais e antepassados.

Após decidir que me iniciaria na Quimbanda, busquei tradições que me permitissem reconectar com meus ancestrais de forma mais verdadeira. Essa busca me levou às tradições de Quimbanda de influência bantu, especialmente às tradições Bakongo. No entanto, a centralização dos sacerdotes no eixo São Paulo–Rio de Janeiro se tornou um grande dificultador.

Foi então que decidi revisitar a tradição da Quimbanda Gaúcha sob uma nova perspectiva, pois eu mesmo havia erguido uma grande barreira entre mim e essa possibilidade. Nesse momento, os ancestrais começaram a sinalizar que esse era um caminho genuíno — para mim e para eles.

Aprofundando minha busca, procurei em minha família algum sacerdote de Quimbanda e descobri que um primo distante de meu pai poderia me iniciar. Assim, em setembro de 2025, fui até Arroio do Meio para ser iniciado pelas mãos de Antônio Gilberto Ferreira, meu primo de segundo grau, um senhor de 75 anos, iniciado pela saudosa Mãe Zila de Xapanã.

Mãe Zila carregou mais de 52 anos de culto aos Orixás, Exus e Pombagiras, tendo recebido e sustentado seu legado com dignidade e fé.

Curiosamente, Mãe Zila viveu no mesmo bairro onde cresci — uma ironia do destino, ou, melhor dizendo, obra de Exu. Eu havia colocado também uma grande barreira entre mim e meu bairro de infância, mas foi justamente de lá que o axé, a força e a tradição chegaram até mim pelas mãos de Gilberto.

Todo esse processo iniciático se entrelaçou em uma jornada de resgate ancestral — em terras onde muitos dos meus antepassados viveram, morreram e estão enterrados. Isso me traz um valor de legado incalculável, impossível de ser medido em outra experiência.

Ainda há muito o que explorar e resgatar em Arroio do Meio, dentro da construção da Rama dos Quatro Caminhos, pois é uma região de muita mata — e o Reino das Matas é um dos pilares de nossa tradição.

Foi ali que muitos antepassados escravizados e ex-escravizados viveram, sobreviveram e abriram caminhos, para que, nesse entrelaçamento de destinos, eu viesse ao mundo e retornasse — para, no presente, dar início à nossa tradição.

Um fundamento plantado na quimbanda da Rama dos 4 Caminhos

Quimbanda Gaúcha, Quimbanda em Porto Alegre. Culto a ancestrais e antepassados.

Na Rama dos Quatro Caminhos, realizamos diversos rituais de integração com a ancestralidade.

Os ancestrais Exus e Pombagiras, assim como os Pretos-Velhos e Caboclos Quimbandeiros, ocupam lugar central em seus assentamentos dentro da Quimbanda tradicional gaúcha. No entanto, há também uma série de rituais próprios da nossa família, voltados à integração com a natureza e a ancestralidade, que compõem o processo iniciático da Rama. Todos esses rituais são centrados na natureza, nas matas e em suas forças atuantes.

Na Rama, compreendemos que uma comunidade inserida na natureza faz parte de um ecossistema.

E todo ecossistema é formado por relações, interações e dinâmicas que sustentam o equilíbrio e promovem o crescimento contínuo.

Partindo dessa visão, entendemos que nem todos são médiuns, mas todos são iniciados — cada membro assume responsabilidades nas atividades de fomento da Rama, contribuindo para o crescimento da comunidade e de si mesmo.

Assim, vínculos são estabelecidos, ancestrais acolhem e o amanhã floresce.

Na Rama dos Quatro Caminhos, cultuar os ancestrais é também cultuar a natureza.

Por isso, parte de nossos rituais de iniciação integra o culto vivo aos elementos naturais.

Há diversos fundamentos que sustentam essa prática, mas, para ilustrar, podemos dizer que os aspectos da natureza são nutridos e desenvolvidos na vida de cada iniciado, tornando-se expressões vivas do axé e da memória ancestral que nos move.

Aqui, as sementes falam.
Que os ventos tragam as sementes do amanhã para todos.

Thiago Blauth Ferreira, filho de Ruth Blauth Ferreira e Carlos Fernando Ferreira. Líder em terra na Rama dos 4 Caminhos.

Reino das Matas na Quimbanda - Culto a ancestrais em Porto Alegre, Rio Grande do Sul
Participe, é totalmente gratuito

Núcleo de estudo e pesquisa ancestral

O Núcleo de Estudo e Pesquisa Ancestral é um espaço dedicado à escuta profunda, ao estudo crítico e à vivência espiritual das tradições de matriz afro-indígena por meio do reconhecimento e da valorização dos saberes ancestrais. Nosso ponto de partida é a consciência de que somos frutos de muitas camadas de tempo, história, memória e espiritualidade. Estudar o passado não é um exercício apenas intelectual, mas um mergulho vital nas forças que nos sustentam no presente.

Nosso núcleo se dedica a explorar, por meio de leituras, práticas e partilhas coletivas, temas como genealogia ancestral, culto aos antepassados e ancestrais, mitologias de matriz africana e indígena, cosmogonias e cosmologias tradicionais, bem como teologias vivas e psicologias da religião a partir do olhar das próprias tradições. Valorizamos especialmente o saber que nasce da oralidade, da experiência, da ritualística e da memória encarnada nos corpos, casas, terreiros e territórios.

As raízes ancestrais estão profundamente entrelaçadas às memórias da alma. Nutrir a memória é cultuar os ancestrais.